segunda-feira, 10 de junho de 2013

"Não nos interessa dinheiro do FMI", afirma economista cubano

Praça da Revolução em Cuba | Foto: AFP

Por Célio Martins no Gazeta do Povo

Entrevista com Joaquín Infante Ugarte, vice-presidente da Associação Nacional de Economistas e Contadores de Cuba.
   
Quais motivos levaram o governo a permitir maior participação privada na economia cubana?

Há muitas razões. A primeira é a atual crise econômica do capitalismo, que tem muitas facetas – alimentar, social, climática, energética, financeira, de todo o tipo. E um país como o nosso, pequeno, sem muitos recursos, se sente muito afetado. O segundo ponto é um problema eterno: o bloqueio dos Estados Unidos sobre Cuba, que dura 52 anos e para o qual ainda não se vislumbra fim. Isso nos afeta em todos os sentidos, toda a vida econômica do país. Tem a ver com todas as relações que temos com o exterior. Não podemos utilizar dólar, multam os bancos estrangeiros que se relacionam conosco. É uma coisa complexa e séria. Outro problema é que os preços dos produtos que exportamos vêm caindo, variando demais. O níquel custava US$ 40 mil a tonelada em 2007. Hoje está em menos de US$ 10 mil. Como a produção agrícola é pequena, temos de importar todos os anos em alimentos.

E internamente?

Temos um problema de deficiência na produtividade. Nossos equipamentos são velhos, alguns obsoletos. Então, para o grande crescimento da produção é preciso substituir esse maquinário e não temos capital. Nem temos financiamentos de longo prazo, em condições favoráveis, que nos ajudem – são sempre em curto prazo, em 360 dias, para pagar em tempo recorde, diferentemente de qualquer outro país no mundo.

Mas e o FMI, o Banco Mundial?

Não nos interessa dinheiro do FMI, porque ele sempre vem com condicionamentos (mostra um artigo que escreveu sobre o FMI). O FMI está dizendo que se equivocou quando recomendou a austeridade fiscal. E eu digo: não se equivocaram, foi uma ofensiva do capital contra o trabalho. É o liberalismo. Eles fazem isso ao custo do sofrimento e miséria do povo. As coisas não se fazem por erro, é sempre consciente; eles não são estúpidos nem analfabetos.

Há outros problemas internos, não?

Hoje temos 1,8 milhões de pessoas com mais de 60 anos. Então, em 2030, deve haver mais de 3 milhões de pessoas na terceira idade – serão menos pessoas para produzir, mais pensões, etc. Sobre o desenvolvimento econômico temos de avaliar essa perspectiva, de como cuidar dessa população que estará na terceira idade. Outro ponto que entendo ser importante é a migração do campo para as cidades. No mundo, 50% da população é urbana e 50% vivem no campo. Hoje, temos em Cuba 25% das pessoas vivendo nas zonas rurais, o que não significa que estejam trabalhando no campo. É preciso dar benefícios e proporcionar a possibilidade de que mais pessoas possam trabalhar no campo – financiamentos para aumentar a produção agrícola.

E o sistema socialista, não corre risco?


Nossa meta é garantir as conquistas da revolução, construindo um socialismo próspero e sustentável. Há riscos, mas temos de corrê-los. O realinhamento prevê a abertura de pequenos negócios, uma maior harmonia entre o estatal e não estatal, mas setores estratégicos, como bancos, devem ser controlados pelo poder público. Aqui dizemos que buscamos uma economia planificada com manifestações de mercado. Queremos investimentos dirigidos, nada desprotegido, maior independência das empresas estatais, das cooperativas. Hoje o setor não estatal emprega 900 mil dos 5 milhões de trabalhadores cubanos. Até 2018 pretendemos chegar a 1,8 milhão.

O país continuará com duas moedas?

Nosso desafio é unificar as moedas, mas o caminho é complexo. Não é simplesmente decretar que a partir de tal data só teremos uma moeda. Com a queda da União Soviética o país perdeu 35,8% do seu PIB em três anos. Diante do bloqueio dos EUA, foi preciso criar uma segunda moeda, o CUC, para nossas transações internacionais.

Cuba, então, não caminha para um modelo como o Chinês?

Temos um lema a seguir: o socialismo deve ser a igualdade de direitos e oportunidades, ou seja, dar a cada um de acordo com sua capacidade. Se uma pessoa que procurou uma estatal não encontra trabalho, terá assistência social do Estado. No mundo há bilhões de pessoas que não têm garantia à segurança social; nenhuma dessas pessoas é cubana. Todos os nossos habitantes temos garantida segurança social integral – educação, assistência social, cultura, seguridade social. Todos os trabalhadores, inclusive camponeses, têm pensão de aposentadoria garantida. Não temos grande desenvolvimento econômico, mas conseguimos garantir os direitos da população. Temos deficiências, mas também fortaleza no nível cultural e científico da população. Em 50 anos, conseguimos colocar mais de 1 milhão de pessoas na universidade, isso em um país com pouco mais de 10 milhões de habitantes. Em Cuba, 80% das pessoas moram em casa própria.

O que pode ajudar Cuba no curto prazo?

Há uma coisa positiva que é o fato de sermos membros fundadores da Aliança Bolivariana para as Américas, a Alba, formada por Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, Dominica, Equador, Antigua e Barbuda e São Vicente e Granadinas. É uma integração que permite que nos complementemos economicamente e reforcemos aspectos sociais. Usamos uma moeda, o Sucre (Sistema Único de Compensação Regional), para substituir o dólar nas relações internacionais. Está tomando parte da Alba a Petrocaribe (aliança entre países caribenhos e Venezuela, produtores de petróleo, que está em aproximação com a Alba para criação de zona de livre comércio). A integração entre os países de América Latina e Caribe daria um futuro para o continente, autonomia, soberania econômica e política. É uma tarefa difícil porque são governos distintos politicamente. Mas essa união é muito importante.

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