segunda-feira, 8 de abril de 2013

Mariela Castro faz revolução silenciosa mudando o comportamento sexual em Cuba

Mariela Castro: "A discriminação não é coerente com os princípios da Revolução"


Brasília – Filha do presidente de Cuba, Raúl Castro, e sobrinha de Fidel, Mariela Castro Espín, de 50 anos, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual do país, faz uma revolução silenciosa na sociedade cubana combatendo a homofobia e os preconceitos em geral. Na semana passada, ela esteve no Brasil, onde participou de dois seminários sobre o tema em Brasília e Porto Alegre. Em entrevista à Agência Brasil, Mariela disse que sua estratégia de ação é simples: educação aliada à sensibilidade.

“A nossa principal ênfase é na estratégia educativa. Trabalhamos com tudo o que toca o coração e a sensibilidade”, disse. Depois de lembrar que Brasil e México apresentam índices elevados de violência contra homossexuais e transgêneros, ela destacou que os números brasileiros são “ainda mais“ preocupantes. “Isso chama a atenção. Essa não é uma realidade em Cuba”.

Mariela não comentou a polêmica envolvendo a Comissão de Direitos Humanos da Câmara devido à ação do seu presidente, deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), que defende medidas conservadoras quando o tema é orientação sexual. Ela mostrou que a campanha pelo fim do preconceito em Cuba envolve cartazes e spots com os lemas: “Dois iguais também têm direito a ser casal” e “Reconhecimento dos Direitos Sexuais como Direitos Humanos”. A seguir, os principais trechos da entrevista de Mariela Castro à Agência Brasil.

Agência Brasil – Como é o trabalho no Centro Nacional de Educação Sexual de Cuba?

Mariela Castro Espín – A nossa principal ênfase é na estratégia educativa. Trabalhamos com mensagens informativas e que consideramos fundamentais. Promovemos cursos de formação, na área jurídica, de educação e de saúde, incentivamos debates e muitas conversas. Minha mãe [Vilma Espín, que casou com Raúl Castro, atual presidente cubano] era uma feminista e sempre teve ideias de liberdade e de direitos igualitários. Ela lutou por isso desde os anos de 1970.

ABr – A senhora fala muito em educação, então esse é o caminho quando se refere a informar sobre questões sexuais?

Mariela – Sim, sem dúvida. O começo de tudo é a estratégia da educação. Não vamos impor a hegemonia, por exemplo, não gosto da ideia do macho-gay ou do macho-heterossexual. Isso é preconceituoso também. É preciso trabalhar a sociedade para compreender e conviver bem com as diferentes orientações sexuais que existem. Só as leis não bastam: a lei sozinha não muda a sociedade. É sob re isso que trabalhamos, o que inclui também ações de combate à violência contra mulheres e meninas. A educação é tudo. A mídia também é muito importante.

ABr – Como lidar com as resistências quando se fala de temas tão delicados e até mesmo polêmicos?

Mariela - A discriminação de qualquer ordem não é coerente com os princípios da revolução [Revolução Cubana, quando os irmãos Castro e guerrilheiros, em 1959, assumiram o poder em Cuba instaurando um governo socialista]. É preciso superar preconceitos. Trabalhamos com o apoio das igrejas e da sociedade civil, assim como com várias organizações. A diversidade é uma característica humana.

ABr – Nos últimos anos, o centro que a senhora dirige se preocupa bastante com a questão da homofobia. Por quê?

Mariela – Na universidade, trabalhei inicialmente com educação sexual para crianças e adolescentes. Mas com o passar do tempo, fui procurada por homossexuais e transgêneros que pediam ajuda. O tema me interessou. Mas tudo começou lá atrás quando acompanhava minha mãe que era uma defensora dos direitos humanos. A preocupação está em trabalhar pela preservação dos direitos dos homossexuais, o que envolve principalmente o local de trabalho e a família.

ABr – Parece que a senhora tem sido bem-sucedida nos seus esforços...

Mariela - Trabalhamos com tudo o que toca o coração e a sensibilidade, isso surte efeitos. As artes, em geral, estão presentes nas nossas atividades.

ABr – O que a senhora observa de mudanças na sociedade cubana depois do trabalho de educação sexual?

Mariela - Percebo muitas mudanças, não apenas nos últimos anos, mas de 50 anos para cá. As mudanças de comportamento podem ser observadas desde a infância, passando juventude e até a vida adulta. Os casos de discriminação são tratados basicamente por meio de medidas administrativas e não na esfera judiciária. Promovemos a primeira Jornada contra a Homofobia, em 2008, já fizemos 20 cirurgias para reversão de sexo [masculino e feminino], há orientações sobre o combate de aids e cuidados com a saúde masculina, inclusive sobre potência sexual.

ABr – Nos últimos anos, a senhora tem dado ênfase aos transgêneros. Há uma razão especial?

Mariela – Sim, não tratamos o transgênero como um doente. É uma pessoa que sofre e que merece ter atenção e receber o tratamento adequado. No caso dos que querem ser submetidos à cirurgia para a reversão de sexo, há uma fila de espera. Mas o processo é todo gratuito. O tratamento envolve o uso de hormônios para a cirurgia, o acompanhamento da família e a inserção social e laboral.

ABr – No Brasil, o que a senhora observa quanto aos temas de homossexuais e transgêneros?

Mariela – [Infelizmente] o Brasil e o México apresentam índices elevados de violência contra homossexuais e transgêneros. No Brasil os números são ainda mais preocupantes. Isso chama a atenção. Essa não é uma realidade em Cuba. Em Cuba, não identificamos a violência contra homossexuais e transgêneros. O que percebemos é que as violações estão relacionadas com questões [de preconceito no] trabalho e [na] família.

ABr – Observando o futuro, a sensação que a senhora tem é que há ainda muito a fazer?

Mariela – Ah...[Olha para cima como quem pára para pensar] há muito o que fazer ainda. É uma estratégia permanente, temos de continuar a luta para superar toda forma de discriminação, incluindo a identidade de gênero. O esforço agora é para aprovar mudanças no Código de Família tornando legal a união entre pessoas do mesmo sexo. Em Cuba, não falamos em casamento porque no país o casamento formal e o informal são tratados da mesma forma. Se heterossexuais podem se unir como um casal, por que os homossexuais não têm o mesmo direito? Estamos em um bom caminho, pois estamos avançando.

Renata Giraldi - Agência Brasil

Edição: Tereza Barbosa

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