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quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Desafios econômicos de Cuba

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel | Foto: Sefa Karacan/Agencia Anadolu
Por Luiz Bernando Pericás na Revista Teoria e Debate

A economia cubana passa por um momento delicado, ainda que tenha mais condições de recuperação na atualidade do que na época do chamado “período especial”, na última década do século passado. O prazo para a recomposição da saúde financeira da ilha, contudo, ainda é incerto, e dependerá, de um lado, de alterações (mesmo que parciais) no cenário internacional e, de outro, do incremento de políticas e investimentos do governo em algumas áreas estratégicas. Motivos extrínsecos e intrínsecos, portanto, colaboram para o desaquecimento e retração dos índices econômicos do país: questões relativas à baixa produtividade e eficiência laboral, déficit em inversões, uma receita insuficiente derivada de exportações e a persistência da burocracia, assim como o endurecimento do bloqueio impulsionado pelos Estados Unidos são alguns dos problemas reconhecidos pelas autoridades locais.

Com um crescimento médio de 1,77% no último quinquênio, Cuba, não obstante, possui um leque amplo de parceiros comerciais (como a União Europeia e a China), recebe aportes significativos de divisas do exterior (especialmente dinheiro enviado por familiares, como aqueles que moram na Flórida, por exemplo; em 2017, foram US$ 3,5 bilhões nesta modalidade) e tem robustecido o setor de turismo (que conta, atualmente, com 70 mil quartos disponíveis). No caso das remessas externas, essas subiram 143% entre 2008 e 2017. Já no que se refere à área turística, o incremento foi de 117% no interregno 2007-2017, e mesmo com uma leve diminuição naquele último ano, a partir das medidas rigorosas adotadas por Washington, começou a dar sinais de reativação a partir da segunda metade de 2018.

A intensificação das sanções dos Estados Unidos desde 2017 indiscutivelmente contribuiu para a configuração do complicado contexto atual. Naquele ano, foi decidido que seus cidadãos não poderiam mais se hospedar em hotéis ou frequentar restaurantes administrados pelas Forças Armadas Revolucionárias (FAR). Em seguida, punições a bancos estrangeiros que realizassem operações com a ilha foram ampliadas. E, em 2019, a Casa Branca autorizou que os exilados vivendo nos EUA entrassem com processos na Justiça para tentar retomar as propriedades que haviam sido expropriadas depois do triunfo da revolução. Para completar, o presidente Donald Trump, há pouco, anunciou a proibição das viagens de cruzeiro e de todos os voos originários dos Estados Unidos para Cuba, com exceção daqueles que se dirigem a Havana. Ou seja, companhias como a Jet Blue e a American Airlines com destino a Santa Clara, Holguín e Camagüey, a partir de 10 de dezembro, não terão autorização para operar nesses trajetos. O Birô de Indústria e Segurança (BIS) do Departamento do Tesouro norte-americano ainda divulgou, em outubro, novas medidas relacionadas à compra de produtos com componentes estadunidenses e arrendamento de aeronaves e embarcações para empresas estatais da nação caribenha. As restrições estão relacionadas, especialmente, à aquisição de artigos que tenham mais de 10% de componentes daquele país, com o propósito de dificultar exportações ou reexportações de diferentes itens para a ilha (até recentemente, essa porcentagem era de 25%, o que permitia que Havana pudesse adquirir uma quantidade maior de mercadorias). A regulação também limita a exportação de bens para a atualização da infraestrutura de telecomunicações, criando entraves para o ulterior avanço deste setor. Para completar, os EUA decidiram restringir o envio de dólares, transferências e doações monetárias através de suas instituições bancárias.

Não custa recordar que em 2017 a ilha passou por uma seca prolongada, seguida pelo furacão Irma, fatos que resultaram em danos estimados em 9% do PIB. Enquanto, em 2018, a economia local teve um crescimento de 1,1%, por um prognóstico da Cepal, de agosto passado, em 2019, provavelmente será de apenas 0,5%, cifra bastante insatisfatória, mas similar ao índice esperado para o resto da América Latina e Caribe.

Vale lembrar que a taxa de natalidade do país é uma das menores do hemisfério e que há um processo gradual de envelhecimento de seus habitantes, o que cada vez mais obrigará o governo a elevar seus gastos para garantir o bem-estar desta parcela da população, um grupo etário que tende a aumentar bastante nos próximos anos, enquanto o número de cidadãos, de maneira geral, irá decrescer em ritmo constante (a expectativa de vida das mulheres lá é de 80,4 anos, e a dos homens, de 76,5 anos). Se Cuba quiser preservar e consolidar suas conquistas sociais terá de, necessariamente, avultar os aportes direcionados aos anciãos (que requerem cuidados especiais) e ao mesmo tempo manter um padrão satisfatório de serviços para o restante de seus moradores.

Não se pode esquecer que o país importa a maior parte dos alimentos que consome. Fundamental, por conseguinte, lidar com essa questão em caráter de urgência. Entre algumas medidas emergenciais para tentar resolver o problema da escassez de determinados víveres estão oito projetos para fomentar a produção endógena de carne de porco e de frango, além do estímulo à promoção da agricultura em áreas urbanas e contenção da venda e distribuição de mercadorias específicas. Neste último caso, trata-se de um racionamento controlado, que foi decretado em maio deste ano: a comercialização de comestíveis como arroz, feijão e ovos, por exemplo, sofreu intervenção pontual e provisória do Estado, sendo limitada para evitar que a população estocasse esses itens em casa, assim como para implementar uma distribuição mais harmoniosa entre todos os cubanos. Mesmo a colheita de açúcar, em 2018, se mostrou insatisfatória, chegando a somente um milhão de toneladas. O aumento salarial em 2019, por sua vez, foi uma iniciativa relevante (os preços, entretanto, continuam demasiadamente altos para a maioria dos trabalhadores), além da ampliação gradual do setor privado, com aproximadamente 590 mil cuentapropistas (autônomos).

A área energética também tem sido uma preocupação constante das autoridades em Havana. É bem verdade que a dependência de importação do petróleo foi reduzida (em torno de 40% do consumo interno é produzido nacionalmente nos dias de hoje). Ainda assim, a crise na Venezuela, sem dúvida, afetou a ilha sobremaneira nesta questão. Se Caracas enviava 105 mil barris diários em 2012, esse número declinou para 47 mil barris diários em 2019. Isso para não falar da exportação de serviços de médicos, professores e dentistas para a república bolivariana, que teve forte redução em tempos recentes. Afinal, 75% dos serviços desses profissionais eram contratados por aquela nação sul-americana (o fim do programa Mais Médicos, no Brasil, também foi um duro golpe para o governo cubano, com uma perda de receita estimada em US$ 332 milhões). No auge da relação entre Caracas e Havana, em 2012, o auxílio, subsídios e investimentos da Venezuela equivaliam a 11% do PIB da ilha.

O fato é que o racionamento e uso restrito de combustíveis, principalmente a partir de setembro, levaram Cuba a priorizar a distribuição de mantimentos e o transporte público. Os setores não essenciais tiveram de frear suas atividades e os níveis de produção de algumas indústrias foram reduzidos, para não coincidir com os horários de maior consumo de energia e evitar apagões. Até mesmo as universidades estão sendo afetadas, fechando suas portas em alguns dias da semana, diminuindo o número de aulas e encurtando seu tempo de funcionamento diário.

É preciso reconhecer, contudo, que houve um esforço conjunto importante de diversos ramos do governo para levar adiante um plano de caráter circunstancial que permitisse, na medida do possível, mitigar essa situação. Em setembro, o ministro de Minas e Energia, Raúl García Barreiro, garantiu a distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP) para 1,7 milhão de consumidores, assim como fornecimento de gás natural. Dessa forma, a disposição de combustível para termelétricas e para motores de combustão interna não foi prejudicada (nem para as residências, que, neste caso, consomem 60% da energia). O ministro da Economia e Planificação, Alejandro Gil Fernández, por sua vez, apontou que o diesel (responsável por 10% da geração diurna do país) deveria ser priorizado no deslocamento de passageiros e de carga. E o ministro dos Transportes, Eduardo Rodríguez Dávila, definiu como linhas principais da política de sua área, privilegiar a utilização de ferrovias; assegurar a mobilidade de adustíveis, alimentos e produtos de exportação; manter a comunicação com a Ilha da Juventude; preservar os níveis de atividades nos portos; conservar a cesta básica familiar; dar preferência aos atendimentos médicos; redesenhar as linhas de transporte coletivo urbano nos horários de maior demanda; e empreender trabalhos coordenados com cuentapropistas e cooperativas para resguardar os serviços, entre outras medidas.

O governo ainda decidiu abrir lojas de câmbio e permitir a venda de importados em estabelecimentos estatais em troca de dólares e moedas fortes estrangeiras, através do uso de cartões (que poderão receber transferências de fora, sem pagar impostos), preservando a circulação do peso cubano (CUP) e do peso conversível (CUC) nas transações cotidianas. A unificação monetária ainda está sendo discutida.

As relações com alguns parceiros internacionais, além disso, parecem promissoras para o próximo período. Em novembro de 2018, Cuba e Rússia assinaram diversos convênios, entre os quais, aqueles que tinham como objetivo modernizar o setor elétrico e siderúrgico, o transporte ferroviário e a exploração de petróleo. Já com Pequim, no ano anterior, Havana havia firmado acordos nas áreas de turismo, projetos de segurança cibernética e energia renovável. Por sinal, Cuba tem dado especial atenção a este último item. Até 2030, o consumo de energia elétrica proveniente de fontes como parques eólicos (“Herradura 1 e 2”, em Las Tunas, por exemplo, com 54 turbinas geradoras de eletricidade com tecnologia chinesa) e dispositivos fotovoltaicos (o Centro de Estudio de Tecnologías Energéticas Renovables, da Universidade Tecnológica de Havana José Antonio Echeverría, tem se empenhado em pesquisar sobre o tema), assim como de biomassa de cana-de-açúcar e de pequenas centrais hidrelétricas, deve chegar a 24%.

No caso das placas solares, em 2016, somente 0,15% da energia consumida teve essa origem. No ano seguinte, a produção foi de 1% do total gerado. E em 2019, até o momento, dependendo da fonte, tem sido entre 1,15% e 2,4% do total (ao final de 2018, o país já contava com 151.980 megawatts hora sincronizados com o sistema elétrico nacional, o equivalente a uma economia de 32.873 toneladas de combustível). Ainda é pouco, mas percebe-se um nítido interesse na expansão do setor. Os mais recentes projetos nesse sentido são o parque fotovoltaico Cárdenas I, resultado de uma associação da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena) e do Fundo Abu Dhabi para o Desenvolvimento (ADFD), que tem uma capacidade instalada de 3,75 MW (podendo enviar energia para 7.000 lares); o parque solar na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, executado pela britânica Mariel Solar S. A.; e aquele erigido pela empresa alemã EFF Solar S. A., que deverá proporcionar cinco megawatts na província de Mayabeque. No momento, há 65 parques já concluídos e outros quinze em construção, o que poderá incrementar em 42 megawatts a potência instalada.

Tudo isso só é possível por que há plena confiança da população no presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, Miguel Díaz-Canel, que tem se mostrado extremamente transparente em relação à situação atual (apresentando ao público de maneira clara todos os problemas recentes e apontando soluções ousadas para superar as adversidades), ao mesmo tempo em que se coloca como um obstinado defensor da soberania nacional. Os cubanos, portanto, apoiam integralmente seus dirigentes. Os amplos debates sobre a nova Constituição e sua aprovação massiva apenas mostram a vitalidade dos canais democráticos construídos e aperfeiçoados ao longo dos anos pela revolução (ainda que sejam distintos daqueles aplicados em outros países da região) e indicam a participação ativa dos cidadãos nas discussões sobre os rumos da nação. Cuba jamais voltará a uma posição de títere dos Estados Unidos. A ilha já passou por outros momentos complicados ao longo de sua história e sempre superou todas as dificuldades. Não será diferente desta vez. Cuba resistirá. 

Luiz Bernardo Pericás é professor de História Contemporânea na USP, doutor em História Econômica (USP) e pós-doutor em Ciência Política pela Flacso (México) e pelo IEB/USP. É autor de "Che Guevara e o debate econômico em Cuba" (2018). 

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