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domingo, 20 de setembro de 2020

A verdade oculta: Como é o acesso à internet em Cuba?

 

Cuba tem entre 6,5 e 7,5 milhões de usuários de internet | Foto: Brookings 

Por Jasely Fernández Garridono no Brasil de Fato

O uso da Internet e das redes sociais pela população cubana tem sido objeto de manipulação dos meios de comunicação para fins políticos, uma manipulação empreendida por inimigos da Revolução Cubana, especialmente os EUA. Alguns salientam que a Internet permite o acesso a informações confidenciais e oferece canais de amplificação de vozes dissidentes que o governo cubano prefere não enfrentar. Isso explica as limitações de conectividade que afetam a ilha há anos e, geralmente, quando fazem uma avaliação do problema, sugerem uma estagnação, sem levar em consideração, deliberadamente, as mudanças que ocorrem nesse sentido.

O objetivo claro dos opositores é espalhar a imagem de um país parado no tempo, que reprime as possibilidades de informação e expressão da população. Esta é uma visão deliberadamente distorcida da realidade. É evidente a vontade política da alta liderança do governo cubano, com  esforços e recursos investidos para desenvolver a infraestrutura necessária e garantir o acesso dos cubanos e de suas instituições à Internet.

Para uma melhor compreensão deste assunto, é necessário recorrer aos antecedentes que demonstram e explicam o desenvolvimento gradual, mas constante, desse setor de informação e comunicação em Cuba. É em 1996 que o país consegue se conectar à rede por meio de um link de satélite. Isso ocorreu no contexto das limitações causadas pela política agressiva dos EUA contra Cuba, que há décadas impõe inúmeros obstáculos ao desenvolvimento da Internet no país.

Portanto, a relação entre Cuba e a Internet não faz parte de um fenômeno que possa ser isolado das relações entre a Ilha e os Estados Unidos. O intenso bloqueio econômico, comercial e financeiro dos EUA contra Cuba, intenso, abrangente e extraterritorial, impediu direta e decisivamente o acesso aos canais de comunicação e a aquisição de tecnologia essencial.

Deve-se acrescentar que, para adquirir esses recursos de alta tecnologia, geralmente com componentes estadunidenses – aos quais o país caribenho não pode ter acesso de acordo com as leis restritivas dos EUA –, Cuba deve recorrer a mercados distantes, pagar um frete alto e sob o risco de ser sancionado pelos fornecedores, o que torna a aquisição do produto mais cara.

É irrefutável o papel fundamental que o líder da Revolução, Fidel Castro, desempenhou na determinação de muitas das características que distinguem Cuba. A defesa irrestrita da independência nacional, a promoção da justiça social e da solidariedade são algumas delas. No entanto, outro aspecto muito importante é o estímulo ao desenvolvimento educacional, científico e técnico da Ilha, que, graças a isso, se tornou o principal recurso do país. Cuba tem um dos mais altos níveis de educação da América Latina, do Caribe e até de um bom número de países desenvolvidos, e isso tem a marca indelével de Fidel.

Na ciência, os avanços em Cuba são reconhecidos em todo o mundo.  Ninguém questiona esta afirmação. Em particular, isso é especialmente verdadeiro no caso do desenvolvimento da biotecnologia cubana, que é comparada ao nível desse setor em muitos dos países mais desenvolvidos.

O mesmo deveria ter acontecido com a Internet, se não fosse pelas limitações materiais e políticas impostas pelos EUA. Isso pode ser demonstrado através de várias declarações e comentários de Fidel Castro. Sobre o uso da Internet, seus benefícios e a necessidade de os cubanos estarem presentes no mundo online, o líder revolucionário fez inúmeras e repetidas reflexões a partir de 1997, precisamente na década em que esse serviço (que anteriormente possuía um caráter militar restrito) se tornou popular no mundo.

Possivelmente, existem outros comentários anteriores, mas esse ponto de partida foi considerado para demonstrar que, também neste setor de desenvolvimento, Fidel, o principal expoente da política cubana, estava fortemente interessado em fazer incursões neste campo. Essas são algumas de suas ideias desde o início, que ele repetiu ao longo dos anos: "um computador conectado à Internet já é uma possibilidade de transmitir uma mensagem, um pensamento, a milhões de pessoas em todo o mundo".

Com base em seu senso de justiça social e internacional, outro pensamento específico, que ele adotou muitas vezes, desde 1998, é o da desigualdade entre as populações do mundo na esfera digital. Nesse sentido, ele garantiu: "enquanto na América Latina 2% da população teve acesso, países como os EUA tinham mais de 70% da população conectada". Em outro comentário sobre o assunto, acrescentou: “conecte-se ao conhecimento e participe de uma verdadeira globalização da informação, que significa compartilhar e não excluir, encerrando a prática generalizada de roubo cerebral, é um imperativo estratégico para a sobrevivência de nossas identidades culturais no próximo século”.

Ele aproveitou outra oportunidade para afirmar que era necessário insistir na necessidade de agir contra esse fenômeno da desigualdade: “É urgente enfrentar a situação de miséria em que nosso grupo de países se encontra neste cenário de redes globais de informação, Internet e todos os meios modernos de comunicação, transmissão de informações e imagens”. Essas ideias tocam a essência do que hoje é entendido como a brecha digital entre “inforricos” e “infopobres”.

Quanto à mudança nas formas de comunicação e à possibilidade real de quebrar a hegemonia na Internet, Fidel alertou que as grandes cadeias de comunicação diminuiriam sua influência monopolista, uma vez que a possibilidade de transmitir mensagens com uma maior diversidade de comunicadores é enorme.

Em relação a esta questão, ele afirmou: “a Internet apareceu e o valor das grandes cadeias vem diminuindo. Os grandes órgãos que antes estavam monopolizados tiveram sua influência monopólica, porque com o surgimento e massificação da internet, que está nas mãos das camadas médias da sociedade, as possibilidades de transmitir outras mensagens são maiores”.

O trabalho de jornalistas cubanos, cientistas, médicos e profissionais em geral, bem como a comunicação na esfera da cultura, foram temas aos quais Fidel deu grande importância. A necessidade de que esse setor da população pudesse ter acesso à Internet estava entre suas prioridades, pois ele entendia que quem tivesse um computador conectado teria acesso a todo o conhecimento publicado e é precisamente o conhecimento, aliado aos princípios éticos, a partir do qual as ideias nascem.

Com tais argumentos, ele insistiu em conectar Cuba, juntar-se ao cenário das redes globais de informação e todos os meios modernos de transmissão de informações e imagens e romper o isolamento a que os Estados Unidos desejavam sujeitar o país. Segundo ele, em uma nota mais recente publicada pelo jornal Granma em 2011 “a Internet colocou em nossas mãos a possibilidade de se comunicar com o mundo” (…) em um mundo em que a mídia era controlada pelas minorias a Internet parecia ter sido inventada para nós cubanos.”

Essas considerações estão na base do imenso esforço que ele fez para forjar em Cuba e entre as forças progressistas do mundo o conceito da Batalha das Ideias, apoiado no pensamento de José Martí de que “um princípio justo, do fundo de uma caverna, pode mais do que um exército”. Obviamente, para que esse objetivo seja alcançado, canais de divulgação eficazes devem estar disponíveis, e o canal por excelência, no presente, são as redes digitais.

Mas foi necessário primeiro saltar por cima das restrições materiais e tecnológicas impostas pelo bloqueio dos EUA. Nesse sentido, Fidel comentou:

"Cuba é forçada a… baixar o sinal de um satélite, o que significa que o governo cubano tem de pagar muito mais caro pelo serviço e é impedido de ter uma banda maior, o que permitiria o acesso a uma quantidade muito maior de usuários, com a velocidade que é normal em todo o mundo, com banda larga. Por essas razões, o governo cubano prioriza a conexão, não àqueles que podem pagar pelo custo do serviço, mas àqueles que mais precisam, como médicos, acadêmicos, jornalistas, profissionais, funcionários do governo e espaços de acesso à internet com uso social” e conclui: "mas isso não será mais um problema em 2011 quando a Venezuela fornecer a Cuba uma conexão à Internet, usando um cabo de fibra ótica submarino com uma extensão de 1.630 km...".

Acrescentou, com o mesmo objetivo de apontar a política dos EUA como o principal obstáculo ao desenvolvimento da Internet em Cuba: "hoje, o maior esforço do Império decadente e insustentável é privar-nos do direito de conhecer e pensar", e continuou: "pensemos por um minuto no esforço mesquinho do líder desse Império para impedir que nosso povo acesse a Internet ”.

Portanto, tornar realidade as convicções do líder da Revolução tem sido um processo longo, pois era necessário garantir infraestrutura e, ao mesmo tempo, educar a população sobre questões cibernéticas, uma vez que a educação eletrônica é essencial para que o indivíduo seja capaz de discernir quais informações são úteis e decidir qual imagem deseja criar no mundo on-line fornecido pela Internet. Levando em consideração esses momentos necessários no processo, a informatização da população cubana foi realizada em partes.

Numa primeira fase, priorizou-se o acesso à conexão com entidades e instituições jurídicas essenciais para o desenvolvimento do país, como universidades, centros de pesquisa, instituições de saúde, meios de comunicação de massa, artistas e intelectuais. Como afirmou Fidel, os escassos recursos disponíveis obrigaram a priorizar setores. Da mesma forma, foi necessário adquirir informações e, ao mesmo tempo, difundir a verdade da realidade cubana.

Uma segunda fase começou com a assinatura, em Caracas, do acordo para a criação de uma empresa mista, formada pela entidade estatal de telecomunicações da Venezuela (TELECOM) e pela TRANSBIT cubana. O objetivo inicial era a implantação e o funcionamento do cabo de fibra óptica submarino que conectaria os dois países e permitiria maior independência nas comunicações. Conforme planejado, em 2011, esse cabo atingiu o território de Cuba, mas sua operação teve que esperar mais dois anos, devido à necessidade de instalar redes e equipamentos que cobrissem todo o território nacional.


Quando foi usado pela primeira vez, o cabo de fibra ótica ALBA 1 com 118 pontos de navegação permitiu o aumento do acesso à Internet, e então foi possível expandir os serviços, que receberam o nome de “serviços nauta”. Havia, naquele momento, variantes e preços diferentes para acesso à Internet, para e-mails internacionais e navegação nacional. A partir de 2015, como política do país, foram criados espaços públicos onde, desde a implementação da tecnologia Wi-Fi, todo cidadão que possui uma conta nauta pode se conectar usando seus telefones celulares, computadores e tablets.

As tarifas pagas nessas zonas Wi-Fi são mais baixas agora; existem também outras alternativas, como conectar-se nas salas de navegação dos hotéis ou no Clube Jovem de Computação (variantes que também existiam antes da instalação das zonas Wi-Fi). Embora sejam alternativas que possibilitam o acesso da população à Internet, reconhece-se que, apesar das reduções nos últimos anos, os preços permanecem altos.

No entanto, progressos substanciais podem ser observados. Segundo os dados apresentados por Jorge Luis Perdomo Di-Lella, ministro das Comunicações, até 2019 o desenvolvimento de serviços de infraestrutura e telecomunicações teria a instalação de mais de 62.000 serviços básicos de telefonia. Assim, mais de 1 milhão e 300 mil linhas fixas já foram instaladas no país. Em relação à telefonia pública, foram instalados 633 novos serviços, elevando o total instalado no país para quase 61.000, e mais de seis milhões de assinaturas de telefonia móveis, representando um crescimento de quase 650.000 usuários. Conforme a estimativa apresentada pelo ministério, 35% das 3.364 das estações de rádio base (ERBs) foram instaladas em 2019.

A cobertura do sinal do telefonia móvel aumentou para 85% e a telefonia móvel 4G está presente em todas as capitais e municípios da província de Havana, chegando a 22% na cobertura da população.

Tudo isso contribui para que mais de 6,5 milhões de cubanos tenham acesso à Internet por diferentes canais. Embora houvesse mais de 3,4 milhões de usuários do serviço de Internet através de dados móveis (desses, mais de 650.000 em 4G), até 2019 as áreas coletivas de acesso à Internet cresceram, chegando a mais de 1.500 áreas de wi-fi e mais de 650 salas de navegação. A conectividade internacional do país aumentou em 30% de sua capacidade no ano passado.

Outro aspecto fundamental no processo de informatização é a conectividade das instituições, que cresceu 13,5%, atingindo mais de 48.600 em todo o país. Setores como educação, saúde e turismo expandiram significativamente sua conectividade. Hoje, as universidades cubanas são conectadas por fibra óptica, com aumentos significativos na largura de banda. Também 288 instalações do Clube Jovem de Computação estão conectadas por fibra óptica.

Nesse período, também foi iniciado o desenvolvimento da rede sem fio, atingindo 70 instalações e 15 locais, principalmente em Havana.

Da mesma forma, a conectividade foi ampliada nos escritórios locais de diferentes entidades nacionais (o que facilitará a atividade de procedimentos e serviços). Este programa de informatização da sociedade cubana também teve definições claras e priorizou o progresso do governo e do comércio eletrônico. O primeiro tenta garantir um meio de comunicação mais rápido entre o povo e as instâncias do governo cubano, através do uso de plataformas on-line e das próprias redes sociais, para que qualquer cidadão possa apresentar suas opiniões imediatamente às entidades responsáveis ​​e aos seus gestores.

Cuba, um país socialista sujeito ao bloqueio econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos, que busca afogar a ilha em uma profunda crise econômica e causar desespero entre as pessoas do país, propôs informatizar a sociedade cubana, algo considerado fundamental no progresso do país posto que, para isso, o acesso à Internet é fundamental.

Obviamente, estamos cientes de que essa também é uma maneira muito eficaz de transferir informações e notícias falsas em massa, que os Estados Unidos as utilizam para fins políticos em muitas ocasiões – contra Cuba e contra outros países. Este foi o caso (não o único) do escândalo internacional causado pela criação secreta de uma conta falsa no twitter em Cuba, chamada Zunzuneo. Este projeto, sob o disfarce de uma rede social inocente, encobriu uma operação secreta financiada e dirigida pela Agência Internacional de Desenvolvimento (USAID), que usava empresas de fachada constituídas secretamente e com financiamento de bancos estrangeiros, através das novas tecnologias (via telefones celulares e redes sociais).

O objetivo era gerar situações de desestabilização para impor mudanças na ordem política cubana. Precisamente, referindo-se ao uso das redes para espalhar informações e notícias falsas contra Cuba, nosso presidente Miguel Díaz-Canel declarou recentemente: “todos os dias há uma enorme quantidade de ultrajes, mentiras, especulações e exageros, que devemos negar e denunciar”.

Embora o assunto seja complexo, os eventos dos últimos anos mostram que é possível desenvolver a Internet em Cuba e, ao mesmo tempo, enfrentar as chamadas campanhas de "notícias falsas" com inteligência e energia. Pode-se ter certeza de que Cuba conquistará esses objetivos e, como em outras esferas da ciência, estará na vanguarda do mundo. A vontade política do Estado cubano existiu e existe, pois os governantes estão convencidos de que o acesso à Internet é essencial para o desenvolvimento de toda a sociedade e um direito humano do povo. Um mundo melhor é possível, só temos que desejá-lo e lutar por ele.

Jasely Fernández Garrido é mestre em Ciência Política e funcionária do Consulado Geral de Cuba em São Paulo.

Edição: Luiza Mançano.

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