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domingo, 6 de outubro de 2019

Ministro das Relações Exteriores de Cuba: "Pátria ou Morte"


Na ONU, ministro cubano rebateu discursos dos EUA e do Brasil | Foto: @CubaMINREX
Discurso do ministro das Relações Exteriores da República de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, na ONU, em 28 de setembro de 2019. 

Senhor presidente;

Senhores Chefes de Estado e de Governo;

Delegadas e delegados ilustres:

Manifesto sinceras condolências à Comunidade das Bahamas pela perda de vidas e pela terrível destruição causada pelo furacão Dorian. Exorto a comunidade internacional a mobilizar recursos para ajudar.

Senhor presidente:

Eu denuncio perante a Assembleia Geral das Nações Unidas que o Governo dos Estados Unidos iniciou nos últimos meses a aplicação de medidas criminais, não convencionais, para impedir o fornecimento de combustível ao nosso país a partir de vários mercados, através da ameaça e a perseguição de empresas que o transportam, aos governos de registro e bandeira, às companhias de navegação e as companhias de seguros.

Como resultado, enfrentamos sérias dificuldades em garantir o suprimento de combustível necessário para a atividade diária do país, o que nos obrigou a adotar medidas de emergência temporárias, possíveis apenas em um país organizado, com um povo unido e solidário, disposto a se defender contra a agressão estrangeira e preservar a justiça social alcançada.

No último ano, o governo dos EUA aumentou qualitativamente suas medidas de hostilidade e bloqueio contra Cuba. Impôs obstáculos adicionais ao comércio exterior e aumentou a perseguição de nossas relações bancárias-financeiras com o resto do mundo. Impôs limitações extremas às viagens e a qualquer interação entre os dois povos. Isso dificulta os vínculos e contatos com a terra natal dos cubanos que vivem nos Estados Unidos.

Até a presente data, a estratégia imperialista contra Cuba é guiada pelo infame memorando, assinado em 1960, pelo subsecretário de Estado Lester Mallory, que cito: "…Não existe oposição política efetiva (…) O único meio possível de fazê-lo perder apoio interno [ao governo] é provocar decepção e desânimo através da insatisfação econômica e das dificuldades (...) Devemos rapidamente pôr em prática todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica (...) negando dinheiro e suprimentos a Cuba, a fim de reduzir os salários nominais e real, com o objetivo de causar fome, desespero e queda do governo."

A ilegal Lei Helms-Burton de 1996 orienta a conduta agressiva dos Estados Unidos contra Cuba. Sua essência é a afirmação gritante de questionar o direito à autodeterminação e à independência da nação cubana.

Também concebe a imposição da autoridade legal norte-americana e a jurisdição de seus tribunais nas relações comerciais e financeiras de qualquer país com Cuba, para atropelar o Direito Internacional, jurisdição nacional e de Estados terceiros e estabelecer a suposta primazia da lei e a vontade política dos Estados Unidos sobre eles.

O bloqueio econômico, comercial e financeiro continua sendo o principal obstáculo ao desenvolvimento de nosso país e ao avanço do processo de atualização do Modelo Socialista de Desenvolvimento Econômico e Social que nosso país elaborou. As novas medidas afetam particularmente o setor não estatal de nossa economia.

Todos os anos, os Estados Unidos destinam dezenas de milhões de dólares do orçamento federal à subversão política, com o objetivo de confundir e enfraquecer a unidade de nosso povo, articulada com uma campanha de propaganda concertada que tem como fim desacreditar a Revolução, seus líderes, seu glorioso legado histórico, denegrir políticas econômicas e sociais em favor do desenvolvimento e da justiça e destruir as ideias do socialismo.

Na quinta-feira passada, com base em calúnias grosseiras, o Departamento de Estado anunciou que o primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba, o general-de-exército Raúl Castro Ruz, não poderá receber um visto de entrada a este país. É uma ação, sem efeito prático, destinada a ultrajar a dignidade de Cuba e os sentimentos de nosso povo. É uma migalha eleitoral lançada à extrema direita cubano-norte-americana. No entanto, as falsidades abertas e ofensivas usadas para tentar justificá-la, e que rejeitamos em termos bem fortes, refletem a baixeza e o apodrecimento desse governo norte-americano, afogado na corrupção, mentiras e imoralidade.

Todas são ações que transgridem o Direito Internacional e violam a Carta das Nações Unidas.


O pretexto mais recente, reiterado aqui na terça-feira passada pelo presidente Donald Trump, é culpar Cuba pelo fracasso em derrubar pela força o governo da República Bolivariana da Venezuela. Para ocultar a façanha do povo venezuelano, os porta-vozes dos ianques usam repetidamente a calúnia vulgar de que nosso país tem "entre 20 mil e 25 mil militares na Venezuela" e que "o imperialismo cubano exerce domínio" sobre esse país.

Alguns minutos antes, naquela terça-feira, o presidente do Brasil havia usado neste pódio o roteiro de falsidades escrito em Washington, aumentado até o número vergonhoso de "cerca de 60 mil militares cubanos" na Venezuela.

Como parte de sua obsessão anticubana, o atual governo dos Estados Unidos, com eco brasileiro, ataca os programas internacionais de cooperação médica que Cuba compartilha com dezenas de países em desenvolvimento, voltados para as comunidades mais carentes, com base no senso de solidariedade e na disposição voluntária e gratuita de centenas de milhares de profissionais cubanos, executados com base em acordos de cooperação firmados com os governos desses países e desfrutam, por muitos anos, do reconhecimento da comunidade internacional, desta própria organização e da Organização Mundial da Saúde, como uma amostra exemplar de Cooperação Sul-Sul.

Como resultado, muitas comunidades brasileiras foram privadas do serviço de saúde gratuito e de qualidade que, no programa "Mais Médicos", forneciam milhares de profissionais cubanos.

Não faltaram neste período as ameaças ou as chantagens mais descaradas, e os convites imorais para que nosso país traia seus princípios e compromissos internacionais em troca de petróleo em condições preferenciais e amizades duvidosas. Ao comemorar o 60º aniversário do triunfo revolucionário com o qual os cubanos alcançaram a independência verdadeira e definitiva, o primeiro secretário Raúl Castro disse: "...nós, cubanos, estamos preparados para resistir a um cenário de confronto que não queremos, e esperamos que as mentes mais equilibradas do governo dos EUA podem evitá-lo."

Reiteramos que, mesmo nas circunstâncias atuais, não renunciamos à vontade de desenvolver um relacionamento civilizado com os Estados Unidos, com base no respeito mútuo e no reconhecimento de nossas profundas diferenças.

Sabemos que esse é o desejo de nosso povo e o sentimento de que a maioria dos norte-americanos e cubanos que vivem neste país compartilha.

Confirmo da mesma maneira que a agressão econômica, por mais difícil que seja, ameaças e chantagens não conseguirão uma única concessão da nossa parte. Quem conhece a história dos cubanos na longa luta para alcançar a emancipação e na firme defesa da liberdade e da justiça conquistadas, entenderá sem erro o peso, sinceridade e autoridade dessas convicções e abordagens de nosso povo.

Senhor presidente:

A relação bilateral entre Cuba e Venezuela é baseada no respeito mútuo e na verdadeira solidariedade. Apoiamos sem hesitação o governo legítimo presidido pelo colega Nicolás Maduro Moros e a união cívico-militar do povo bolivariano e chavista.

Condenamos a conduta do governo dos Estados Unidos contra a Venezuela focada na promoção de golpes, assassinatos, guerra econômica e sabotagem ao fornecimento de eletricidade. Rejeitamos a aplicação de severas medidas coercitivas unilaterais e a desapropriação de seus ativos, empresas e receitas provenientes de exportações. Essas ações constituem uma séria ameaça à paz e à segurança regionais e uma agressão direta contra a população venezuelana, à que se pretende subjugar pelas formas mais cruéis.

Conclamamos todos a tomar conhecimento desses fatos, a exigir a cessação de medidas coercitivas unilaterais, a rejeitar o uso da força e a incentivar um diálogo respeitoso com base nos princípios do Direito Internacional e na ordem constitucional desse país.

Alguns dias atrás, os Estados Unidos e alguns países decidiram ativar o obsoleto Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que contempla o uso da força militar. É uma decisão absurda que representa um revés histórico e um perigo para a paz e a segurança regional que procura justificar, por meio de um artifício jurídico, a intervenção nos assuntos internos da República Bolivariana da Venezuela.

É também uma violação grave da Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz, que seus Chefes de Estado e Governo assinaram em Havana, em janeiro de 2014. A decisão norte-americana de ressuscitar a fatal Doutrina Monroe tem um significado semelhante, pois é um instrumento de dominação do imperialismo sob o qual intervenções e invasões militares, golpes, ditaduras militares e os crimes mais horríveis ocorreram em Nossa América.

Como vimos alguns dias atrás nesta Assembleia, o presidente dos Estados Unidos geralmente ataca o socialismo em repetidos pronunciamentos públicos, com propósitos claramente eleitorais, enquanto promove uma intolerância macartista contra aqueles que acreditam na possibilidade de um mundo melhor e têm a esperança de viver em paz, em harmonia sustentável com a natureza e em solidariedade com os outros.

O presidente Trump ignora ou finge esconder que o capitalismo neoliberal é responsável pela crescente desigualdade econômica e social que até as sociedades mais desenvolvidas sofrem atualmente e que, por sua natureza, promove a corrupção, a marginalização social, o crescimento do crime, a intolerância racial e a xenofobia; e esqueça ou ignora que o fascismo, o apartheid e o imperialismo emergiram do capitalismo.

O governo dos Estados Unidos lidera uma rude perseguição contra líderes políticos e movimentos populares e sociais, por meio de processos escandalosamente manipulados e difamados e motivados politicamente, para reverter as políticas que, através do controle soberano sobre os recursos naturais e da eliminação gradual de diferenças sociais, construíram sociedades mais justas e solidárias, que representavam uma saída para a crise econômica e social e uma esperança para os povos da América.

O mesmo aconteceu com o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, do qual exigimos a sua liberdade.

Rejeitamos as tentativas de Washington de desestabilizar o governo da Nicarágua e ratificamos a solidariedade invariável com o presidente Daniel Ortega.

Temos solidariedade com as nações do Caribe que solicitam reparação legítima pelas terríveis consequências da escravidão, bem como pelo tratamento justo, especial e diferenciado que merecem.

Ratificamos nosso compromisso histórico com a autodeterminação e independência do povo irmão de Porto Rico.

Apoiamos a reivindicação legítima de soberania da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, Sandwich do Sul e Geórgia do Sul.

Senhor presidente:

A conduta do atual governo dos Estados Unidos e sua estratégia de dominação militar e nuclear constitui uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Mantém cerca de 800 bases militares em todo o mundo. Avança em projetos de militarização do espaço sideral e do ciberespaço, bem como o uso secreto e ilegal de tecnologias da informação e comunicação para atacar outros Estados. A retirada dos Estados Unidos do Tratado sobre Forças de Alcance Intermediário Nuclear e o início imediato de testes de mísseis de médio alcance têm como fim abrir uma nova corrida armamentista.

O presidente dos Conselhos de Estado e Ministros, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, afirmou no ano passado, perante esta Assembleia: "...O exercício do multilateralismo e o pleno respeito pelos princípios e normas do Direito Internacional para avançar em direção a um mundo multipolar, democrático e equitativo são requisitos para garantir a coexistência pacífica, preservar a paz e a segurança internacionais e encontrar soluções duradouras para os problemas sistêmicos."

Reiteramos o apoio irrestrito a uma solução abrangente, justa e duradoura ao conflito israelense-palestino, com base na criação de dois Estados, que permite ao povo palestino exercer o direito à autodeterminação e ter um Estado independente e soberano no país, nas fronteiras pré-1967, com Jerusalém Oriental como sua capital. Rejeitamos a ação unilateral dos Estados Unidos para estabelecer sua representação diplomática na cidade de Jerusalém. Condenamos a violência das forças israelenses contra a população civil na Palestina e as ameaças de anexação dos territórios ocupados da Cisjordânia.

Reafirmamos nossa solidariedade invariável com o povo saariano e apoiamos a busca de uma resposta à questão do Saara Ocidental que lhes permita exercer o direito à autodeterminação e viver em paz em seu território.

Apoiamos a busca de uma solução pacífica e negociada para a situação imposta à Síria, sem interferência externa e com total respeito à sua soberania e integridade territorial. Rejeitamos qualquer intervenção direta ou indireta sem o consentimento das autoridades legítimas desse país.

Expressamos nossa solidariedade com a República Islâmica do Irã diante da escalada agressiva dos Estados Unidos. Rejeitamos a retirada unilateral dos Estados Unidos do Acordo Nuclear com o Irã. Apelamos ao diálogo e à cooperação, com base nos princípios do Direito Internacional.

Saudamos o processo de diálogo inter-coreano. Somente através de negociações é possível alcançar uma solução política duradoura na península coreana. Condenamos veementemente a imposição de sanções unilaterais e injustas contra a República Popular Democrática da Coreia.

A expansão contínua da OTAN para as fronteiras com a Rússia causa sérios perigos, agravados pela imposição de sanções arbitrárias, que rejeitamos.

Senhor presidente:

Apoiamos, com admiração, o apelo das recentes marchas de estudantes e jovens. A mudança climática, alguns de cujos efeitos já são irreversíveis, ameaça a sobrevivência de todos, particularmente dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento.

O capitalismo é insustentável. Seus padrões irracionais e insustentáveis ​​de produção e consumo e a crescente e injusta concentração de riqueza são a principal ameaça ao equilíbrio ecológico do planeta. Não haverá desenvolvimento sustentável sem justiça social.

O tratamento especial e diferenciado dos países do Sul nas relações econômicas internacionais não pode continuar sendo ignorado.

A emergência na Amazônia nos leva a encontrar soluções através da cooperação de todos, sem exclusões ou politização, com total respeito à soberania dos Estados.

Senhor presidente:

Proliferam a corrupção dos sistemas políticos e dos modelos eleitorais e sua crescente distância da vontade dos povos. Minorias poderosas e exclusivas, particularmente grupos corporativos, decidem a natureza e composição de governos, parlamentos e instituições de aprovação e aplicação da lei.

Após o fracasso de sua reivindicação de submeter o Conselho de Direitos Humanos, o governo dos EUA optou por abandoná-lo para impedir ainda mais o diálogo e a cooperação internacional no assunto.

Não é novidade que deve nos surpreender. Os Estados Unidos são um país em que os direitos humanos são sistematicamente violados e, frequentemente, de forma deliberada e em flagrante. Em 2018 morreram 36.383 pessoas — cem por dia — por armas de fogo, enquanto o governo protege seus produtores e comerciantes à custa da segurança do cidadão. A cada ano, 91.757 norte-americanos morrem de doenças cardíacas, devido à falta de tratamento adequado. A mortalidade infantil e materna entre os afro-norte-americanos é o dobro da população branca. Vinte e oito milhões de cidadãos dos EUA não têm seguro de saúde ou acesso real a serviços de saúde; 32 milhões não podem ler ou escrever funcionalmente; 2,2 milhões de cidadãos dos EUA estão presos; 4,7 milhões em liberdade condicional e 10 milhões de prisões ocorrem anualmente. Entende-se então por que o presidente está ocupado atacando o socialismo.

Rejeitamos a politização, a seletividade, as abordagens punitivas e padrões duplos ao lidar com a questão dos direitos humanos. Cuba permanecerá comprometida com o exercício, por parte de todas as pessoas e de todos os povos, de todos os direitos humanos, em particular à paz, a vida, o desenvolvimento e a autodeterminação.

Devemos impedir a imposição de um modelo cultural único, totalitário e avassalador que destrua as culturas nacionais, identidades, história, memória, símbolos, individualidade e silencie os problemas estruturais do capitalismo que causam uma desigualdade dilacerante que aumenta sem cessar.

O capitalismo chamado "cognitivo" oferece o mesmo. O capital digital coroa as cadeias globais de valor, concentra a propriedade dos dados digitais, explora a identidade, a informação e o conhecimento e ameaça a liberdade e a democracia, já diminuídas analogicamente. Precisamos de outras formas de pensamento próprio, humanístico e contra-hegemônico e de uma ação política determinada para articular a mobilização popular nas redes, nas ruas e nas urnas.

Os Estados independentes precisam exercer soberania sobre o ciberespaço, abandonar a ilusão da chamada "sociedade em rede" ou a "era do acesso" e, em vez disso, democratizar a governança da Internet.

Senhor presidente:

O pensamento poderoso e universal do apóstolo da independência José Martí continua inspirando e incentivando os cubanos das novas gerações. Suas palavras, escritas poucas horas antes de enfrentar a morte em combate, hoje têm particular relevância e cito: "...já estou em perigo todos os dias de dar a minha vida por meu país e pelo meu dever (...) de evitar em tempo, com a independência de Cuba, que os Estados Unidos se estendam pelas Antilhas e caiam, com mais força, em nossas terras da América. O que eu fiz até hoje, e farei, é por isso".

Força semelhante têm as palavras de Antonio Maceo, que em 1888 escreveu: "Quem tentar apreender Cuba só coletará a poeira de seu solo alagado de sangue se não morrer na luta".

É a mesma e única Revolução Cubana comandada por Fidel Castro Ruz e agora liderada pelo primeiro secretário Raúl Castro e pelo presidente Miguel Díaz-Canel.

E se, neste momento, alguém ainda pretende render a Revolução Cubana, ou espera que as novas gerações de cubanas e cubanos traiam seu passado e renunciem ao seu futuro, repetiremos com o impulso de Fidel:

Pátria ou Morte!

Venceremos!

(Ovação).

Fonte: Granma.

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