Páginas

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

A guerra suja contra a colaboração médica cubana

Médicos cubanos já atenderam em 164 países | Foto: Ministério de Saúde de Cuba
Por Rosa Miriam Elizalde, Flor de Paz, Víctor Martínez no Cuba Debate

Quando The New York Times publicou, em 17 de março de 2019, um artigo acerca dos médicos cubanos na Venezuela, a operação do governo Trump contra a cooperação internacional que Cuba oferece já estava em andamento.

O New York Times ignorou o trabalho dos médicos cubanos na Venezuela, apesar de dezenas de milhares de pessoas terem servido naquele país há quase vinte anos. Uma contribuição notável que teve um impacto na melhoria dos indicadores de saúde da população da Venezuela. O jornal usou como fontes principais alguns médicos cubanos que abandonaram a sua missão naquele país sul-americano e acusaram o governo venezuelano de usar médicos e serviços de saúde cubanos para pressionar os eleitores.

O titula do Ministério da Saúde Pública de Cuba (MINSAP), José Ángel Portal, declarou na sua conta no Twitter: Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos mais de 400 mil colaboradores cubanos que completaram missões em 164 países, trazendo o melhor conhecimento e o mais alto desempenho integral.

Menos de uma dezena de médicos, de credibilidade duvidosa, não são suficientes para manchar o excelente desempenho de dezenas de milhares.

Segundo os registros estatísticos do MINSAP, os colaboradores cubanos da saúde trabalham atualmente em 67 países e “na esmagadora maioria das missões realizadas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Da mesma forma, 35.613 profissionais de saúde de 138 países foram treinados gratuitamente em Cuba”, disseram fontes desse ministério.

A engrenagem de uma guerra suja

Durante quase seis décadas de atuação de profissionais de saúde cubanos que trabalham em todas as regiões do mundo, uma calúnia desta amplitude foi formulada pela primeira vez, utilizando o alarido do New York Times.

“Essa calúnia é articulada com base num pequeno número de falsos testemunhos e repleta das mentiras mais imaginativas, fantasiosas e repugnantes, intimamente ligadas à campanha dos EUA contra a Venezuela, que se baseia no uso de mentiras”, disse Eugenio Martínez Enríquez, diretor geral da América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores de Cuba, a Dominio Cuba .

Mais uma vez, as agências do governo dos EUA iniciam “notícias” para preparar as condições para uma ação ofensiva de larga escala, como a que foi tramada em abril pelo Conselho de Segurança Nacional dos EUA contra a Venezuela: impedir e desprestigiar a cooperação internacional de saúde de Cuba, que possui um desempenho exemplar e reconhecido em todo o mundo.

A engrenagem já havia sido acionada em 17 de abril de 2019 quando John Bolton, assessor de Segurança Nacional dos EUA declarou que “milhares de médicos cubanos na Venezuela estão sendo usados como peões por Maduro e seus patrocinadores cubanos para apoiar o seu reinado brutal e opressivo”.

A sequência coordenada de tarefas da operação incorporou três senadores norte-americanos cujas posições sobre Cuba não deixam dúvida de que, longe de se preocuparem com questões humanitárias e de direitos humanos, pretendem derrubar o governo cubano que difamam diariamente.

Em 7 de maio de 2019, os senadores dos EUA Marco Rubio, Rick Scott e Bob Menéndez, escreveram ao secretário de Estado Mike Pompeo para tomar medidas contra a cooperação de Cuba, especialmente contra a cooperação médica.

As intenções são explícitas, como pode ser lido nos fragmentos da carta tornada pública no âmbito da operação dirigida por Bolton e seu subordinado Mauricio Claver-Carone.

“Escrevemos para instar o Departamento de Estado a tomar medidas adicionais para combater o destacamento de médicos e pessoal médico do regime cubano em condições que representam trabalho forçado (…). Para os senadores, “a cooperação cubana é uma rede global de tráfico de pessoas que gerou milhares de milhões de dólares em receitas para o regime… Como o regime cubano perpetua esse esquema de ganhos com trabalho forçado, solicitamos que o Departamento de Estado forneça aos nossos gabinetes informações sobre os seguintes problemas: devido à crescente quantidade de informações sobre como o destacamento de médicos e profissionais médicos do regime cubano representa trabalho forçado, que medidas a Administração está a tomar para restaurar o Programa de Liberdade Condicional para Profissionais Médicos Cubanos?”

O “Programa de Liberdade Condicional para Profissionais Médicos Cubanos (Cuban Medical Professional Parole Program, CMPP), posto em vigor em 2006, desativado em janeiro de 2017 no contexto do processo de restauração das relações Cuba-EUA durante o governo de Barack Obama, foi uma ação aberta do governo dos EUA para sabotar acordos de cooperação médica cubana com outros países, um pretexto para roubo de cérebros e comportamento desrespeitoso para com nações que soberanamente decidem acolher a ajuda dos profissionais de saúde cubanos.

Os EUA tentaram sabotar a cooperação internacional, particularmente entre países do Sul, por meio de incentivos e pressões para que os profissionais de saúde cubanos abandonassem as suas missões e emigrassem para os EUA, onde seriam legalmente admitidos juntamente com promessas de emprego na área do seu conhecimento. O “programa” não contempla substituir o trabalho dos médicos e técnicos cubanos por outros recursos humanos ou materiais, apenas privando aqueles que recebem esses serviços.

Imediatamente após a carta dos senadores, o Departamento de Estado e a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) emitiram agressivamente instruções às embaixadas dos EUA para prepararem as condições que permitissem controlar a cooperação cubana.

Pressões diplomáticas e legais

O diretor geral Eugenio Martinez Enriquez afirma a Dominio Cuba que as ações chegaram ao ponto de pressionar as autoridades nacionais através das embaixadas dos Estados Unidos:

“Temos conhecimento que em 2019, em pelo menos três países da América Latina e do Caribe, funcionários da Embaixada dos EUA solicitaram às autoridades dos países em que são credenciados, com caráter peremptório e de suspeição, dados precisos sobre a cooperação que Cuba oferecia. Devido às características dessas informações, podemos garantir que essas indicações foram enviadas a todas as embaixadas dos EUA na região.

Martínez acrescenta que “num país, as autoridades locais informaram diplomatas cubanos que um alto funcionário de Washington está interessado em saber imediatamente quantos médicos cubanos prestam serviços aqui e a quantidade de investimento que meu governo faz para cada médico, bem como os localização geográfica exata”.

Quase ao mesmo tempo, “noutro país, um alto funcionário do governo local mostrou ao embaixador cubano um e-mail da embaixada dos EUA escrito em inglês, que perguntava onde se encontrava a equipe médica cubana, que acordos a sustentavam e sua duração”, afirmou o diplomata cubano.

As ações para atacar a cooperação cubana incluem outros instrumentos. A autoridade cubana menciona que “num país sul-americano, foram instaurados processos judiciais contra pelo menos seis colaboradores cubanos por suposta negligência médica, ações cuja origem partiu de conhecidos personagens com laços estreitos com a Embaixada dos EUA. Os casos foram declarados sem efeito pelos tribunais correspondentes.”

Em perfeita sincronização, no mesmo dia em que os senadores dataram a sua carta, na terça-feira, 7 de maio de 2019, organizações com escasso reconhecimento internacional tentaram entrar com um processo contra Cuba perante o Tribunal Penal Internacional (CPI), que seus promotores consideram o resultado de um “trabalho metódico e completo “com base em declarações de seres humanos reais que sofrem um novo tipo de escravidão”. O processo descreve as “missões de cooperação internacionalista de Cuba como crimes contra a humanidade, contra a escravidão”.

Almagro junta-se à engrenagem

Uma semana depois, com a operação a toda velocidade, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos organizou uma conferência na sede dessa organização em Washington DC sobre os supostos crimes contra a humanidade cometidos por Cuba.

Almagro, que prometeu converter a sua luta para derrubar o Governo de Cuba numa das prioridades da OEA, fez uma apresentação na sede da Organização em Washington, onde catalogou “as famosas missões dos médicos cubanos, que agem sob uma suposta solidariedade revolucionária”, como “destinadas a procurar efeitos políticos nos seus destinatários, mais que a salvar vidas”.

De acordo com a operação Bolton-Claver Carone-Rubio, Almagro acrescentou que as missões internacionalistas de Cuba “servem como uma ferramenta de intervenção na Venezuela, sob a cobertura de missões médicas, culturais e desportivas”, servindo de porta-voz das orientações da campanha de Bolton: “As missões médicas (de Cuba) foram máscaras para a obtenção de moeda estrangeira pelo regime cubano, à custa do trabalho escravo dos médicos cubanos”.

“Curiosamente, a conferência que Almagro organizou foi realizada na sede da organização, da qual mais de vinte de seus trinta estados membros desfrutam atualmente de um excelente relacionamento na área de cooperação com Cuba”, alerta Eugenio Martínez. A maioria desses países não apenas mantém a presença de trabalhadores de saúde cubanos, como também propõe aumentar essa cooperação. Nenhum desses governos compartilhou as acusações de Washington.

Mesmo assim, Almagro seguiu a linha do Departamento de Estado, como a atual subsecretária para o Hemisfério Ocidental, Kimberly Breier, anunciou numa reunião com desertores médicos do programa de saúde.

Na reunião no gabinete da Subsecretaria estavam Carlos Trujillo, embaixador dos EUA na OEA, e Philippe Lussier, burocrata encarregado de Cuba e Venezuela no Departamento de Estado.

Listas negras

Em 20 de junho de 2019, o Departamento de Estado incluiu Cuba na pior das categorias do seu Relatório sobre Tráfico de Pessoas de 2019. O documento ataca a cooperação médica internacional de Cuba e usa os seus argumentos como um pretexto para desqualificar o governo cubano.

Não há evidências de tais excessos. Cuba tem um desempenho exemplar no confronto ao tráfico de pessoas, reconhecido por instituições internacionais. Embora este flagelo não constitua um problema social, o governo cubano mantém uma política de tolerância zero, que é uma prioridade e é aplicada com uma abordagem multissetorial e multidisciplinar, com base nos seus três pilares básicos: prevenção, enfrentamento e proteção das vítimas. O Plano de Ação Nacional para a prevenção e enfrentamento do trafico de pessoas e a protecção das vítimas foi aprovado em fevereiro de 2017 e, um mês depois, o Relator Especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos das Vítimas de Tráfico de Pessoas, especialmente mulheres e crianças, Maria Grazia Giammarinaro, que em nenhum momento questionou a natureza dos programas internacionais de cooperação médica de Cuba.

Restrições de vistos

O Departamento dos EUA continuou a sua operação e, em 26 de julho de 2019, anunciou que imporia sanções com restrições de vistos a funcionários cubanos “responsáveis” por supostas “práticas trabalhistas de exploração e coerção”, com as quais define o desempenho dos funcionários que dirigem as missões médicas cubanas.

“Toda essa campanha procura ocultar o valor humano e solidário da decisão pessoal e voluntária que dezenas de milhares de profissionais cubanos tomam quando viajam para outros países e servem em locais, geralmente remotos, com enorme sacrifício e apoio das suas famílias em Cuba. É vergonhoso e desprezível que o governo dos Estados Unidos se atreva a atacar um ato tão nobre”, diz o diretor geral do MINREX, Carlos Fernández de Cossío.

Como as autoridades cubanas vinculadas ao Ministério da Saúde Pública explicaram em diversas ocasiões, diferentemente das empresas privadas, que obtêm lucros significativos para alguns destes tipos de contrato, em Cuba uma parte da receita derivada da contribuição dos países pelo serviços prestados visa contribuir para a aquisição de medicamentos e operação de um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Os médicos que cumprem a missão recebem a outra parte desse rendimento no exterior, juntamente com o salário integral que continuam obtendo em Cuba.

Em novembro de 2018, o MINSAP afirmou em comunicado que “os funcionários mantêm o emprego em todos os momentos e 100% de seu salário em Cuba, com todas as garantias trabalhistas e sociais, como os restantes trabalhadores do Sistema Nacional de Saúde”.

No diálogo com Dominio Cuba Cossío acrescenta:

“O Departamento de Estado pretende difamar a legítima cooperação Sul-Sul praticada pelos países em desenvolvimento, da qual Cuba faz parte e da qual se orgulha. Esse esforço, no qual, sob os princípios da voluntariedade, centenas de milhares de profissionais cubanos participaram, teve o mérito de salvar ou contribuir para salvar a vida de milhões de pessoas e aliviar o de milhões que, sem essa contribuição, teriam enfrentado sérias dificuldades no acesso aos serviços de saúde.”

Com relação à decisão dos EUA de criar uma lista de funcionários cubanos para aplicar sanções, o diretor geral do MINREX diz que “representa a primeira medida concreta, anunciada publicamente, contra as missões médicas cubanas”. Desta maneira, o governo dos Estados Unidos manipula para fins políticos e tenta sabotar o que constitui um claro exemplo de cooperação Sul-Sul, cujos resultados positivos foram reconhecidos em mais de uma ocasião pela comunidade internacional e organizações multilaterais. A tentativa de apresentar o nobre esforço de Cuba como exemplo de tráfico de pessoas é pelo menos indecente, vergonhosa e carece de sustentação. Diante de um comportamento irresponsável, Cuba continuará a desenvolver o seu trabalho solidário e altruísta em favor dos menos favorecidos deste planeta.”

Bolsonaro novamente em cena

Diligente, em 1º de agosto de 2019, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro deu a sua contribuição para a operação dos EUA. Como sempre, sem fornecer provas, ele acusou os médicos cubanos que participaram do extinto Programa Mais Médicos para o Brasil de irem para aquele país “para formar núcleos de guerrilha”. O Presidente cubano respondeu chamando-o diretamente de mentiroso .

Até hoje, Bolsonaro não ofereceu evidências, mas a imprensa do seu país recordou as “referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença” dos médicos cubanos, pelo então eleito Presidente do Brasil e as condições, ofensas e perguntas inaceitáveis aos profissionais cubanos responsáveis, por Bolsonaro, que forçaram o MINSAP em novembro de 2018 a encerrar a participação de médicos cubanos no Programa Mais Médicos para o Brasil.

Segundo uma declaração do MINSAP daquela data, em cinco anos no Brasil, cerca de 20 mil médicos cubanos trataram 113 milhões de pacientes, em mais de 3.600 municípios, 700 dos quais com médico pela primeira vez na história.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial da Saúde consideraram o Programa Mais Médicos para o Brasil como o principal exemplo de boas práticas em cooperação triangular e a implementação da Agenda 2030 com seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O vice-presidente do Conselho de Estado, Roberto Morales Ojeda, que anteriormente era ministro da Saúde Pública de Cuba, em sua conta no twitter, escreveu: “Rejeitamos declarações ultrajantes do presidente Bolsonaro, os indicadores de saúde de Cuba e os 56 anos de cooperação médica em 164 países dão aval ao humanismo, altruísmo e preparação dos profissionais de saúde cubanos”.

O ataque dos EUA continua. A Agência para o Desenvolvimento Internacional, agência norte-americana que concede fundos para programas de subversão em Cuba, abriu em 5 de agosto uma oferta para organizações ou indivíduos optarem por receber 3 milhões de dólares para “desenvolver ferramentas de investigação, organização de dados e analise de informações sobre violações de direitos humanos, incluindo trabalho forçado de pessoal médico cubano exportado para o exterior”.

A Chancelaria cubana (Ministério das Relações Exteriores de Cuba) “condenou veementemente” a operação cujo objetivo é “desacreditar e sabotar a cooperação internacional de Cuba no campo da saúde em dezenas de países e em benefício de milhões de pessoas”.

“A campanha tem fundos milionários e a cumplicidade de vários grandes meios de comunicação e, em particular, jornalistas sem escrúpulos que sacrificam sua suposta imparcialidade e objetividade ao serviço dos interesses políticos do governo dos Estados Unidos”, acrescenta o Ministério das Relações Exteriores.

O que virá a partir de agora? Talvez a resposta esteja no filme de Martin Scorsese, Casino, quando o mafioso diz que “existem três maneiras de fazer as coisas: a certa, a errada e a minha”. Será necessário ver o que se segue neste infame itinerário e que nova maneira de fazer o clã Bolton-Claver Carone-Rubio empreenderá. O curso da colaboração médica cubana permanece o mesmo: “Cuba continuará como irmã do mundo, salvando vidas e buscando saúde”, afirma o ministro.

Fonte: PCB.

Nenhum comentário:

Postar um comentário