Fonte: Vermelho
Com a mesma leveza que imprime em suas personagens, o ator brasileiro Marcos Frota chegou a Cuba para presenciar o que tanto tinha escutado desde pequeno, e encontrou "a calidez de sua gente, sua espiritualidade, sua esperança, sua forma de atuar e expressar seus sentimentos, algo totalmente diferente do resto dos países que conheci até agora". Entre Brasil e Cuba existe uma sinergia pela celebração da vida, destacou. Marco Frota foi à ilha como presidente de um dos júris do recém-concluído Festival Internacional Circuba 2011 e constatou o sentido de igualdade social que impera em Cuba.
Prensa Latina: Surpreso pela impressão que deixou o Tonho da Lua, da telenovela Mulheres de areia ?
Marcos Frota: Fiquei impactado com a identificação do público na rua, os transeuntes, os taxistas. Tonho da Lua marcou época mas tem muito tempo e o orgulho que tinha já passou; agora sou mais maduro, mais reflexivo e o carinho que recebi aqui nestes dias tem sido muito importante, de uma alegria sincera.
Prensa Latina: Fale da construção dessa personagem, que esforços lhe demandou?
MF: É uma história triste. Quando era menino conheci uma versão de Tonho da Lua. Eu tinha três ou quatro anos e pedi a meu pai que me levasse à praia para observar como fazia suas esculturas de areia. Terminei a universidade, depois veio o circo, a televisão, o cinema, e sabia que a Globo faria uma nova produção de Mulheres de Areia. Aproximei-me e pedi-lhes para fazer a personagem, mas negaram-me com o pretexto de que tinha os olhos claros e a pele muito branca.
Naquele tempo, Glória Pires engravidou e esperaram por ela para gravar a telenovela. Consegui levar para casa um dos roteiros e comecei ao ler, e um ano depois fizeram um teste com diversos atores candidatos, e me apresentei. Quando chegou minha oportunidade, algo se passou, a personagem se apoderou de mim, seus gestos, sua maneira de falar brotavam espontaneamente.
A autora e o diretor ficaram impressionados e chamaram-me, ainda que nunca imaginei que Tonho da Lua ia se deparar com uma grande dor na minha vida. Estava casado e tinha três filhos pequenos, e em pleno auge da telenovela, em plena efervescência, minha esposa sofreu um acidente automobilístico e faleceu. Tonho emprestou-me sua pureza, sua espiritualidade, produziu-se um encontro entre o ator e sua personagem. Antes, eu tinha emprestado a Da Lua meu corpo, minha alegria, minha sensibilidade, mas naquele trágico momento, Da Lua ofereceu-me sua ternura, sua aceitação da realidade, por isso é muito, muito especial para mim. Primeiro tinha feito teatro, até que assinei contrato com a TV Globo. Então pedi que escrevessem algo sobre o circo, e surgiu a história de um trapezista na telenovela Cambalacho (1986), muito popular em toda América Latina. Quando terminei, fui em turnê com os circos brasileiros e, com o dinheiro ganho, comprei uma tenda e fundei minha companhia Unicirco Marcos Frota.
Prensa Latina: Por que o circo se tinha uma carreira importante como ator?
MF: Teria que responder de muitas formas, mas não sei. Não sei se fui eu quem escolheu o circo, ou foi este que me escolheu. Dos 30 anos que levo na televisão, tenho dedicado 25 à arte circense, sempre com grandes conflitos. Minha geração de atores, todos consagrados no Brasil, asseguram que eu prejudiquei minha carreira autoral por meu amor ao circo, mas me sinto satisfeito por ter contribuído para que o circo brasileiro não decaía; sempre emprestei minha popularidade e atraí a imprensa, a Globo, todos nesse sentido. Somos 190 milhões de brasileiros. Mais de 100 milhões sabem que Marcos Frota é um homem de circo e que sempre, sempre, apresenta espetáculos de excelência artística.
Prensa Latina: Que faz agora, tens deixado a atuação?
MF: Não a abandonei. Acabou de ser exibida em meu país uma telenovela na qual interpreto um marginal, mas em tom de comédia, muito simpático e nada dramático. Nela faço dupla com Cláudia Raia, uma belíssima cantora, bailarina e atriz que bem poderia estar na Broadway ou em outros palcos importantes. Esse casal suscitou a popularidade da novela. Em 200,5 encarnei Jatobá na telenovela América, um cego que também marcou época. A Globo e a Unicef assumiram uma campanha social de conscientização pela não exclusão dos portadores de deficiência física - que no Brasil somam 15 milhões-, e com aquela personagem me selecionaram como porta-voz da campanha. Foi um sucesso tremendo, porque era um homem muito sensível que tratava de reconquistar a sua mulher depois de uma separação por causa da cegueira, em um acidente; foi uma história muito romântica e sensacional, com a música de Roberto Carlos na trilha sonora.
A teledramaturgia brasileira consolidou-se, há um respeito e uma curiosidade em todas partes por ela. Fui a Budapeste como jurado de um festival de circo e me identificaram na rua; o mesmo sucedeu na Rússia, o Leste europeu consome as telenovelas brasileiras.
Também continuo fazendo teatro e há muito pouco participei em A tempestade, de William Shakespeare, no Centro Cultural Banco do Brasil, uma das instituições culturais mais importantes.
Prensa Latina: Como conceito, que são para você o teatro e o circo?
MF: O teatro, a televisão e o cinema constituem minha profissão, meu ofício. O circo é meu exercício de cidadania, minha contribuição à continuidade dessa arte milenar em meu país. Como estética, ambos se fundem. Eu concebo o espetáculo circense teatralizado, tem que ter uma dramaturgia em cada ato; por isso, meus colegas da companhia, os figurinos, luminotécnicos, cenógrafos, os captei da televisão ou do teatro para pôr seu conhecimento em função do circo.
Prensa Latina: Há possibilidades de intercâmbio artístico entre Brasil e Cuba?
MF: Iniciei os gerenciamentos para trazer a Unicirco e levar o circo cubano a meu país, no próximo ano. O Rio de Janeiro está efervescente com os preparativos da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas, e será um bom momento para esse encontro artístico, mais que falar de todas as culturas. O Brasil precisa de uma maturidade política e social verdadeira para que não perca esta oportunidade de crescer. O presidente Lula foi capaz de valorizar as imensas possibilidades de meu país, abriu seu coração e seu cérebro, e agora há uma continuidade desse processo porque Brasil é hoje a reserva cultural, espiritual, econômica e natural do planeta; existe uma consciência muito elevada no sentido de contribuir com a aproximação de todos os países.
Prensa Latina: Conte-nos de sua família, seus quatro filhos.
MF: Tenho dois filhos músicos, um no Brasil dedicado ao rock e o outro estudando em Berkeley, Estados Unidos. Tenho uma garota de 25 anos que é atriz de teatro e agora está fazendo a produção do festival Rock in Rio, e um menino pequeno, fruto de meu segundo casamento com a popular atriz Carolina Dieckmann (Mulheres apaixonadas, Senhora do destino). Carolina e eu nos separamos porque não suportou minhas constantes viagens, minhas ausências; mesmo assim, mantemos excelentes relações e, inclusive, trabalhamos juntos em teatro e televisão.
Prensa Latina: Que impressões leva de Cuba?
MF: Um ator é um observador do comportamento humano. No Brasil estão de olho onde quer que eu vá, mas aqui sucedeu ao inverso, aproveitei para observar ao povo. Apreciei uma consciência social muito grande e, sobretudo, um sentimento de paz. Entre ambos os povos existe, como disse antes, uma sinergia pela celebração da vida com música, com ritmos, com sorrisos, com abraços. De coração, apaixonei-me do povo cubano, e não é uma frase de marketing nem algo fingido. Guardarei em meu coração o povo de Cuba, e o porei em minhas orações porque têm muito que oferecer à humanidade.
O embargo não faz sentido; o isolamento de Cuba não faz sentido. Aqui há muito que oferecer ao novo tempo que se aproxima. Em outras palavras, não foi em vão a luta de Fidel Castro e a de seus companheiros.
Quem é Marcos Frota (29 Setembro, 1955. São Paulo). Foi professor na Escola de Artes Visuais em São Caetano do Sul, onde começou sua carreira artística em 1978. Produtor de circo, fundador e presidente da Associação Cultural de São Francisco de Assis. É responsável pelo projeto de desenho, desenvolvimento e expansão da primeira universidade gratuita de circo em seu país UNICIRCO. Desde 1981, a TV Globo tem um contrato de exclusividade com ele, que já interpretou mais de 25 personagens em minisséries, especiais e novelas. Tem sido membro do júri no Festival Internacional de Circo de Budapeste, Hungria, e observador -e m várias edições consecutivas - do Festival de Circo de Montecarlo. Ensinou várias gerações de artistas, triunfantes em prestigiosos conjuntos, entre eles o mundialmente conhecido Circo do Sol.
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