quarta-feira, 1 de julho de 2015

Herói cubano: "Nós cubanos não nos afastamos nem um milímetro de nossos princípios"

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Gerardo Hernández, um dos “cinco heróis cubanos”, fala sobre terrorismo, a relação entre Cuba e os EUA e o embargo econômico: "não perdoaram Cuba por ter feito a primeira revolução na América".

Em Porto Alegre, Geraldo visitou o Memorial Luis Carlos Prestes. Por Guilherme Santos/ Sul 21
Por Catiana de Medeiros e Vivian Fernandes, do Brasil de Fato

Há um mês, os Estados Unidos anunciou a retirada de Cuba da lista de países que consideram terroristas. A medida foi tratada um avanço no sentido do restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, rompidas em 1961, dois anos após a Revolução Cubana. Apesar disso, tal medida não põe fim ao embargo econômico que os norte-americanos impõem sobre a nação cubana.

Passos de aproximação entre os dois países já haviam sido dados pouco tempo antes. Um dos mais marcantes foi a libertação de todos os “cinco heróis cubanos”, como são chamados em Cuba. Gerardo Hernández é um deles, sendo posto em liberdade em dezembro do ano passado.

Gerardo esteve preso por 16 anos em um presídio norte-americano. Ele e outros quatro companheiros - Antônio Guerrero, Fernando González, Ramón Labañino e René González - foram presos na Flórida (EUA), em 1998. A saga dos cinco é relatada no livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria, do brasileiro Fernando Morais.

Três anos mais tarde, eles foram condenados pela Justiça estadunidense por espionagem e envolvimento no abatimento de dois aviões. No entanto, o governo cubano, reconhecendo que estes cinco homens eram agentes infiltrados em território norte-americano, afirma que tal operação, batizada de “Rede Vespa”, tinha o objetivo de repassar informações sobre as organizações terroristas anticastristas – de combate ao então presidente cubano Fidel Castro – que operavam nos Estados Unidos, organizando atentados na ilha.

Agora em liberdade, Gerardo conversou com o Brasil de Fato sobre terrorismo, a relação entre cubanos e norte-americanos e as perspectivas em relação ao fim do embargo econômico.

Brasil de Fato: Você foi condenado por terrorismo pelos Estados Unidos. No último dia 29 de maio, os EUA decidiram retirar Cuba da lista de países considerados terroristas. De que maneira as ditas ações norte-americanas contra o que eles consideram “terrorismo” transformaram a vida no seu país? Pode dar alguns exemplos? 

Gerardo Hernández: Primeiro, manter Cuba como um país terrorista foi uma situação completamente absurda e imoral. Os Estados Unidos não têm moral para por nenhum país na lista de terroristas, enquanto em seu próprio território vivem terroristas de origem cubana que, digamos, realizaram “insurreições” [contra Cuba] que custaram a vida de muitas pessoas e seguem vivendo lá com total impunidade. Eles seguiram muitos anos com total impunidade, atuando em campos de treinamento [de ações terroristas] em território norte-americano, baixo a vista deste governo, que não aplicava suas leis a esses indivíduos. Ou seja, um país que acolhe terroristas que praticam ações contra outros países e os tratam com total impunidade, não tem nenhuma moral de fazer uma lista de países terroristas.

Assista:

Por uma parte é isso, por outra, o fato de que Cuba esteve nessa lista [de países terroristas] afetava também ações e transações comerciais, tão simples como acessar determinados programas e sites da internet, que negava esse serviço aos acessos vindos de Cuba, porque Cuba estava nessa lista. Do ponto de vista de medidas comerciais, o simples fato de Cuba ter saído dessa lista não implica no fim do bloqueio [econômico], porque ainda se mantêm as restrições do bloqueio como tal. Mas, sim, penso que o fato de Cuba ter saído da lista é um ato de justiça que se faz. Porque, em primeiro lugar, Cuba nunca deveria ter estado nessa lista.

Enquanto os Estados Unidos retiram Cuba da lista de países terroristas, o presidente norte-americano Barack Obama classifica a Venezuela como ameaça à segurança americana. Como você avalia a ofensiva dos EUA com relação à Venezuela? 

Parece que os Estados Unidos necessitam ter um grande inimigo na região. Parece que, não sei se o fazem por escolhas políticas internas, é da natureza do imperialismo. Obviamente eles não irão tolerar nunca que nossos povos, aqui onde eles consideram seu grande quintal, optem por uma via diferente da deles. Eles não toleram, a partir do ponto de vista deles, que “as ovelhas se separem do rebanho”. Por isso, eles não perdoaram Cuba, há mais de 50 anos, por ter feito a primeira revolução na América, e tampouco perdoam a Venezuela.

Eu acredito que é totalmente absurdo considerar a Venezuela como uma ameaça aos EUA. A Venezuela nunca agrediu os Estados Unidos ou ninguém. Já os Estados Unidos têm uma grandíssima história de intervenções em nossa região e em outras regiões. Então, me parece um ato totalmente injusto, por isso, nós cubanos já declaramos, e eu reitero agora, nossa solidariedade absoluta com o povo da Venezuela.

Essa reaproximação dos EUA e Cuba, em dezembro, com a libertação de vocês e outras medidas, já tem tido algum efeito na vida do povo cubano? 

Esse processo de restabelecimento das relações conduz ao que todos os cubamos esperamos, que é o fim imediato desse bloqueio ilegal e imoral com o qual, há mais de 50 anos, padecemos nós, cubanos. Então, começaríamos a ver os frutos, não? Mas não podemos falar do restabelecimento das relações plenas, mas de um ato formal e diplomático. Para falarmos do restabelecimento das relações é necessário por fim ao bloqueio, que, como eu já disse, é um ato criminoso e possivelmente único na história da humanidade, com mais de meio século, que deixa um povo submetido a medidas tão bárbaras como essas do bloqueio contra Cuba.

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Nesse sentido, penso que se vai avançando pelo caminho correto. Não podemos pecar pelo excesso de otimismo, mas tampouco podemos ser pessimistas. Esse processo que se dá com os EUA é inevitável. Se fosse depender de Cuba, nós teríamos começado faz tempo, porque nós temos conversado com os Estados Unidos sem ter renunciado a nenhum de nossos princípios. Cuba tem se mantido por muito tempo assim e estava disposta a conversar com os Estados Unidos, conquanto seja de igual para igual. Sempre preservando nossa soberania e nossa independência e é isso exatamente o que está acontecendo. Nós cubanos não nos afastamos nem um milímetro de nossos princípios. Os Estados Unidos sim que estão reconhecendo que sua política em relação ao nosso país tem sido errada. E, claro, isso acaba se convertendo em uma série de diretrizes.

O fim do bloqueio a Cuba é algo que você enxerga como possível em um curto prazo? E qual o caminho a percorrer para que isso aconteça?

O fim do bloqueio, no sentido geral, é algo complicado, pois há muitas medidas contra Cuba que estão solidificadas de maneira tal que é necessário a aprovação do Congresso dos EUA para eliminá-las. Não basta que um presidente queira para que o bloqueio seja desmantelado totalmente, sem mais nem menos, como se diz. Mas, sim, penso que há medidas concretas que a administração pode ir tomando para ir desmantelando o bloqueio. Eu, ainda que gostaria de ser otimista, não penso que vá ocorrer de um dia para outro; penso que vai ser um processo gradual. Mas, sim, chegará um dia em que poderemos celebrar o fim deste ato criminoso contra Cuba.

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